Entender perfil do agressor, da vítima e do crime é importante para a prevenção
Porto Velho, RO - Monstro. Psicopata. Tarado. Louco. Quando vem à tona um caso de abuso sexual contra uma criança, é esse o perfil que se imagina do criminoso. A realidade, porém, é quase sempre outra: mais de 75% dos casos acontecem dentro da casa da vítima e mais de 80% dos agressores são familiares —principalmente pais e padrastos, mas também avós, irmãos, primos ou tios.
Crianças participam de atividade em projeto que acolhe vítimas de estupro, abuso e exploração sexual em Campo Grande (MS) - Mathilde Missioneiro - 15.set.21/Folhapress
Esses e outros mitos sobre o tema prejudicam o enfrentamento a essa violência tão comum. Ao imaginar que o perigo está somente fora de casa, pessoas próximas à criança podem deixar passar situações de risco ou duvidar da vítima, caso ela conte o que aconteceu.
Leia a seguir algumas crenças erradas sobre o perfil da vítima, do agressor e do crime. No final, há informações sobre como denunciar.
O agressor é um psicopata, um depravado sexual, um homem mais velho e alcoólatra, homossexual ou com transtorno mental.
Em 85% a 90% das situações, as crianças e os adolescentes são sexualmente abusados por pessoas que já conhecem, como pai ou mãe, parentes, vizinhos, amigos da família, professores ou médicos. A maioria dos agressores é heterossexual e mantém relações sexuais consentidas com adultos.
Todos os abusadores são pedófilos.
Na maioria das vezes não são. A pedofilia é um transtorno de personalidade caracterizado pelo desejo sexual por crianças abaixo de 13 anos e deve ser diagnosticado por um psiquiatra. Nem todo pedófilo cometerá o crime --e muitas violências sexuais são cometidas por pessoas que não têm o transtorno.
A criança mente e inventa que é abusada sexualmente.
Raramente a criança mente. Estima-se que apenas 6% dos casos são fictícios e, de qualquer forma, todo caso precisa ser denunciado e averiguado. Apostar que seja mentira pode levar uma criança e permanecer em uma situação de violência por muito tempo.
Abuso sexual é só quando há penetração.
Outras formas de relações ou jogos sexuais envolvendo crianças e adolescentes, como o assédio, o exibicionismo, o voyeurismo, entre outras, são consideradas abuso sexual. Além disso, a violência sexual também pode acontecer no ambiente virtual.
Violência sexual contra crianças e adolescentes é algo raro e extremo.
Os dados mostram o contrário: a cada hora, quatro meninas de menos de 13 anos são estupradas no Brasil. São elas as maiores vítimas desse crime no país: 61,3% dos estupros são contra crianças dessa faixa etária, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022.
Se não houver evidências físicas ou lesões corporais não houve abuso.
Em apenas 30% dos casos há evidências físicas. A violência física contra crianças e adolescentes abusados sexualmente não é o mais comum, mas sim o uso de ameaças e a conquista da confiança e do afeto da vítima. Mesmo o ato sexual em si muitas vezes não deixa lesões corporais. As vítimas são, em geral, prejudicadas pelas consequências psicológicas do abuso.
Se uma criança ou adolescente "consente" é porque deve ter gostado. Só quando ela disser "não" é que pode ser considerado abuso sexual.
O autor da agressão sexual tem inteira responsabilidade pela violência sexual: a legislação brasileira prevê que crianças e adolescentes são indivíduos em "condição peculiar de desenvolvimento", sendo, portanto, vítimas em qualquer situação de abuso ou exploração. Além disso, nem sempre o abuso causa dor na criança e por isso ela pode nem saber que é errado.
As vítimas de violência sexual são normalmente de famílias pobres.
Embora os indicadores apontem isso, é mais comum que famílias de baixa renda procurem os serviços de proteção do que as de renda mais elevada. Famílias das classes média e alta podem ter mais condições de encobrir o abuso sexual e manter o caso abafado.
Só meninas sofrem violência sexual.
Embora elas sejam a maioria entre as vítimas, cerca de 15% das vítimas são meninos —geralmente na faixa etária de quatro e oito anos.
Para denunciar uma violência contra crianças e adolescentes, é preciso se identificar e ter certeza absoluta do que viu.
Não é verdade. Há vários canais de denúncia em que o anonimato é assegurado: é o caso do Disque 100 e dos conselhos tutelares. Além disso, as denúncias podem se basear em suspeitas. Denuncie sempre que suspeitar. É melhor garantir uma investigação do que omitir socorro às vítimas.
Fontes: Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Campanha Faça Bonito, Childhood, Instituto Liberta, Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania
COMO DENUNCIAR
- O Disque 100, canal de denúncia anônima do governo federal, funciona 24 horas, todos os dias da semana. Basta ligar gratuitamente para o número 100. Também é possível denunciar pelo aplicativo Direitos Humanos Brasil ou pelo número de WhatsApp (61) 99656-5008.
- A denúncia pode ser feita presencialmente em uma delegacia de polícia, de preferência uma delegacia de proteção à mulher ou de crianças e adolescentes, se houver na sua cidade.
- Os Conselhos Tutelares podem ser procurados para ajudar a tirar uma criança de uma situação de violência, ainda que seja uma suspeita.
Fonte: Folha de São Paulo
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