Todo o cerimonial foi adaptado e aprovado pelo povo Gavião, em respeito às tradições locais.
O sol estava se pondo e o relógio marcava 18h20 quando começou o casamento comunitário na Terra Indígena Igarapé Lourdes no sábado, 1º de junho. Dançando de mãos dadas com seus parceiros, quase 50 casais se organizaram em uma fila para o início da celebração. A cerimônia aconteceu após o povo indígena Ikolen (Gavião) procurar o Poder Judiciário rondoniense solicitando a oficialização das uniões.
A música que indicava o início da cerimônia foi criada na aldeia. Ela deu o ritmo para todas as etapas:
- Os discursos das autoridades do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO);
- As falas das lideranças indígenas na língua Tupi-Mondé e traduzidas para o português por lideranças religiosas;
- A troca de alianças para aqueles que desejaram;
- A entrega das certidões de casamento e;
- O festejo final onde ocorreu a distribuição da chicha, uma bebida indígena produzida com macaxeira, milho, batata-doce ou cará. O cardápio da festa contou ainda com tambaqui assado na folha do babaçu e mandioca.
O local da cerimônia estava enfeitado com plantas, flores e ornamentos trançados em palha. Os noivos usavam cocares coloridos. A maioria pintou as costas e braços com jenipapo e a face com urucum. As noivas se distinguiam em dois grupos, as que optaram por casar com vestidos brancos e aquelas que escolheram saias feitas com palhas de buriti.
Juridicamente, o evento aconteceu no âmbito da Justiça Rápida Itinerante, projeto organizado pela Corregedoria-Geral da Justiça (CGJ), por meio do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), com apoio do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), Fórum Desembargador Sérgio Alberto Nogueira de Lima de Ji-Paraná e nesta ocasião, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Para o presidente do Nupemec, desembargador José Antonio Robles, o objetivo da ação foi garantir cidadania. “Os indígenas merecem toda a atenção do Poder Judiciário e do Estado para a plena garantia de direitos, seja no acesso à saúde, educação e em todo o aspecto jurídico. Estamos muito felizes e desejamos que todos esses nubentes tenham muito sucesso, amor e paz na sua comunidade”, disse.
Emocionado, Heliton Gavião, cacique-geral do povo Gavião da Terra Indígena Igarapé Lourdes enfatizou que a noite de 1º de junho de 2024 pode ser considerada histórica. “Oficializar a união daqueles que têm o sonho de casar, deixa a gente muito feliz.
Até porque como estamos inseridos no contexto da convivência com a sociedade branca precisamos dos documentos, e como parte do povo Gavião é evangélica, houve um interesse de oficializar a união perante Deus. Isso é histórico, os casamentos realizados dessa forma, dentro da aldeia, com a presença de desembargador, juízes, juízas e outras autoridades da Justiça. É histórico, com certeza”, disse.
O juiz Oscar Francisco Alves Junior, coordenador desta etapa da Justiça Rápida Itinerante, destacou que todo o cerimonial foi adaptado e aprovado pelo povo Gavião, em respeito às tradições locais. “Como seria muito dispendioso para a comunidade levar os 49 casais indígenas até Ji-Paraná, uma das cidades mais próximas, eles fizeram o pedido para que a Justiça viesse até a aldeia. No último mês de maio, fizemos as audiências, ouvindo as pessoas interessadas em oficializar os casamentos e suas testemunhas. Hoje acontece essa celebração, a finalização de todo o procedimento”, comentou.
Adiante, o juiz Maximiliano Darcy David Deitos, que atua em causas indígenas e com questões ambientais em Ji-Paraná, lembrou que o casamento comunitário tem três objetivos. Sendo o primeiro a aproximação entre a Justiça e os povos indígenas do Estado de Rondônia.
O segundo, foi disponibilizar mais direitos, benefícios sociais, previdenciários e legais que parte dos indígenas não conseguiu obter por falta das certidões de casamento, e o terceiro, o de renovar os votos perante a religião que o povo escolheu seguir e perante a comunidade. “Foi lindo ver os votos de 49 casais indígenas que repactuaram os termos lá atrás já fixados em amor”.
Concordando, a juíza Ana Valeria Zipparro, diretora do fórum de Ji-Paraná, defendeu a importância cultural e jurídica da cerimônia. “Estamos em um momento muito importante, valorizando a cultura indígena e eles também estão respeitando as leis. Eles terão seus direitos garantidos, terão reconhecidas suas uniões. Esse é o efetivo acesso à Justiça para todos os cidadãos”.
A Terra Indígena Igarapé Lourdes está localizada nas proximidades de Ji-Paraná, Região Central de Rondônia. O território é lar do povo Ikolen, palavra que, traduzida para o português, significa Gavião. Outras etnias, como os Arara e Zoró, habitam a região e estavam presentes no casamento.
Fonte: TJ/RO
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