Relatório destaca impactos da mineração ilegal nos direitos humanos e na biodiversidade amazônica

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Relatório destaca impactos da mineração ilegal nos direitos humanos e na biodiversidade amazônica

Crédito Garimpeiros com a caneta, mangueira de água usada na escavação da terra em garimpo na região do Rio Mucajaí (RR) - Daniel Marenco

Por Camila Pinheiro e Vinicius Miguel 

Um relatório preparado por organizações de seis países amazônicos, que aborda os impactos da mineração ilegal de ouro na Amazônia, foi publicado este mês por várias organizações que trabalharam no estudo. O documento se concentra nos efeitos devastadores sobre os direitos humanos e a biodiversidade na Amazônia, citando Rondônia e o caso do garimpo na Reserva Indígena Roosevelt, em Espigão do Oeste, onde ocorreu um massacre de 29 garimpeiros em decorrência de uma disputa por jazidas de diamantes, em 2004. Em decorrência disso, o presidente Lula assinou um decreto estabelecendo um grupo de trabalho para o combate ao garimpo ilegal. 

O relatório intitulado "Illegal Gold Mining: Impacts on Human Rights and Biodiversity in the Amazon – Six Countries Report" (Mineração ilegal de ouro: Impactos sobre os direitos humanos e a biodiversidade na Amazônia - Relatório de seis países) foi elaborado por uma coalizão de organizações de seis países amazônicos, incluindo a Hutukara Associação Yanomami (Brasil), e instituições da Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Estados Unidos e Venezuela. Este documento é resultado de anos de monitoramento e análise, reunindo evidências que detalham os impactos devastadores da mineração ilegal de ouro sobre os direitos humanos e os ecossistemas da Amazônia. A região, que é uma das mais biodiversas do planeta e desempenha papel crucial no equilíbrio climático global, enfrenta uma crescente degradação ambiental e social devido à mineração desenfreada.

O relatório destaca como a mineração ilegal está enraizada em redes de crime organizado, frequentemente facilitadas pela corrupção e pela ausência de políticas públicas eficazes. Embora os países amazônicos possuam legislações e acordos internacionais, como a Convenção de Minamata, que regula o uso de mercúrio, a aplicação dessas normas permanece ineficaz. A situação é agravada pela falta de fiscalização adequada e pelo desrespeito aos direitos territoriais das populações indígenas, que são as principais vítimas deste modelo de exploração predatório.

Impactos no Brasil: o caso do Território Indígena Yanomami

No Brasil, o foco do relatório é o Território Indígena Yanomami, uma área que cobre cerca de 96.650 km² de floresta tropical nos estados do Amazonas e Roraima. Essa região, reconhecida por sua rica biodiversidade, abriga mais de 27 mil habitantes indígenas, incluindo os povos Yanomami e Ye’kwana. Apesar de sua importância ecológica e cultural, o território enfrenta uma crise humanitária sem precedentes devido à expansão do garimpo ilegal.

O relatório aponta que, de 2019 a 2022, a área de garimpo dentro das terras Yanomami aumentou drasticamente, alcançando proporções seis vezes maiores do que em 1985. Esse avanço está associado ao uso intensivo de mercúrio, uma substância altamente tóxica, empregada no processo de extração de ouro. Estudos citados mostram que o mercúrio liberado no ambiente contamina os rios e se acumula na cadeia alimentar, especialmente nos peixes, que são a base da alimentação de muitas comunidades indígenas. Como consequência, as populações locais sofrem de graves problemas de saúde, incluindo intoxicações por mercúrio que causam danos neurológicos irreversíveis, especialmente em mulheres grávidas e crianças.

Além disso, a presença massiva de garimpeiros ilegais na região trouxe um aumento da violência, destruição de aldeias e desestruturação das comunidades indígenas. O relatório denuncia a negligência estatal, que contribuiu para a escalada da crise. A ausência de políticas efetivas durante o governo Bolsonaro agravou a vulnerabilidade dos Yanomami, deixando comunidades inteiras à mercê do crime organizado e expostas a condições sanitárias precárias.

Impactos em Rondônia: ameaças à biodiversidade e às populações locais

O estado de Rondônia também é destacado no relatório como uma das regiões onde o avanço do garimpo ilegal tem causado danos significativos. Áreas como a Floresta Nacional do Jamari e o Parque Nacional Pacaás Novos estão sob crescente pressão de atividades ilegais. Rondônia, embora menos mencionado em comparação ao Território Yanomami, enfrenta desafios semelhantes, como a destruição de áreas protegidas, poluição dos recursos hídricos e impacto direto sobre populações indígenas e ribeirinhas.

A Floresta Nacional do Jamari, por exemplo, é constantemente invadida por garimpeiros que utilizam métodos destrutivos, como o uso indiscriminado de mercúrio, resultando em contaminação dos rios e afetando a fauna aquática. No Parque Nacional Pacaás Novos, a mineração ilegal tem contribuído para o desmatamento acelerado e para a degradação de habitats vitais. Além disso, a falta de fiscalização eficiente e a corrupção local tornam a repressão ao garimpo um desafio complexo.

Rondônia é também lar de várias comunidades indígenas que dependem diretamente da floresta e dos rios para sua subsistência. O avanço do garimpo ilegal nessas áreas não só ameaça os ecossistemas, mas também desestrutura modos de vida tradicionais, resultando em perda de territórios, aumento de conflitos e vulnerabilidade social. As denúncias apontam ainda que muitos desses povos não têm suas terras plenamente demarcadas, o que facilita invasões e dificulta ações de proteção.

Desafios e recomendações

O relatório apresenta uma série de recomendações para enfrentar os desafios impostos pela mineração ilegal de ouro. Dentre elas, destacam-se:

1. Fortalecimento da fiscalização ambiental e combate ao uso de mercúrio: É essencial que os países amazônicos, incluindo o Brasil, implementem com rigor as diretrizes da Convenção de Minamata. Isso inclui criar sistemas para rastrear o uso de mercúrio e reduzir progressivamente sua utilização, além de punir severamente o comércio ilegal da substância.

2. Proteção dos direitos indígenas: Os estados devem priorizar a demarcação e titulação dos territórios indígenas, bem como assegurar a participação dessas comunidades na elaboração de políticas ambientais e de conservação. É imprescindível respeitar os conhecimentos tradicionais e promover a autonomia desses povos.

3. Promoção de ações regionais coordenadas: A cooperação entre os países da Amazônia é fundamental para monitorar e combater a mineração ilegal, que frequentemente ocorre em áreas de fronteira. O estabelecimento de um sistema de sanções e a criação de mecanismos de monitoramento compartilhado são apontados como medidas urgentes.

4. Apoio aos defensores ambientais: O relatório enfatiza a necessidade de proteger ambientalistas, jornalistas e lideranças indígenas que denunciam as atividades de garimpo. Essas pessoas frequentemente enfrentam ameaças e violência em decorrência de seu trabalho.

Conclusão do relatório

O relatório evidencia que a mineração ilegal de ouro não é apenas um problema ambiental, mas uma grave violação dos direitos humanos e uma ameaça direta à sobrevivência dos povos indígenas e das comunidades locais. No Brasil, o caso Yanomami é emblemático da devastação causada pelo garimpo, enquanto em Rondônia a destruição de áreas protegidas e a contaminação de recursos hídricos ressaltam a amplitude da crise. Para reverter esse cenário, é necessário um esforço conjunto e coordenado, tanto em nível nacional quanto internacional, para garantir a preservação da Amazônia e o respeito aos  seus habitantes.

Garimpo ilegal dentro da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau — Foto: PF/Divulgação


O relatório está disponível no link: https://drive.google.com/file/d/1-Efy5tacSt2gdWCtQR890jYEXH3zHlla/view

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